segunda-feira, 25 de maio de 2009

Os Biodanzantes na Egitânea



Num destes dias, a muito querida “manada biodanzante” encaminhou-se para a zona raiana e, como base de apoio para as suas investidas de vivências de vitalidade, criatividade, sexualidade, afectividade e transcendência, usou a pousada de juventude localizada em terras de Idanha.
Os “biodanzantes”são normalmente guiados por um ser fabuloso, mas desta vez este fabuloso e lindo ser delegou a “condução da manada” a um guia que se auto-intitula “o pastor”.
Como é habitual, a “incrível manada” não falha nos horários, e de manhã todos os seus elementos são muito pontuais a tomar o pequeno-almoço e a reagrupar-se para sair em busca de novos pastos de felicidade.
A barragem Marechal Carmona foi o ponto de partida para uma caminhada de 17 km. No princípio, os “biodanzantes” mostravam-se renitentes quanto à distância, mas valentões como são, nunca se negam a um bom desafio! Nem que tenham de mergulhar no desconhecido e enfrentar o “bicho pelos cornos”.
Inicialmente muito enérgica, a irreverente “manada”, pouco a pouco, com o caminhar e consequente cansaço, começou a vergar sob o peso da rotina e da mecânica impostas pelo estilo de vida alienante que a sociedade nos impõe no dia-a-dia. Devagar, o pisar assertivo com toda a planta do pé vai ligando o “biodanzante” à Terra, que já não identifica o ser que criou para colorir a sua vida. Mas a linda “manada” volta a fazer essa ligação e a Terra ama esse pequeno gesto. Porém, um pequeno “rebuçado” não é suficiente; ela sente-se muito cansada, mesmo muito cansada. Torna-se necessário que todo o “gado tresmalhado” volte a reunir-se para reflectir, mas acima de tudo que aja, pois de reflexões e palavras bonitas está a Terra farta.
No grupo existia um pequeno “bezerinho” maravilhoso, que apesar da sua irreverência e dos caprichos próprios da idade, deu o exemplo de como contemplar as pequenas e belas coisas que a Mãe natureza nos dá, como um carreiro de formigas, que vivem a vida como se do último dia se tratasse Já os adultos, muito seguros e encastrados nas suas cercas e currais, desaprenderam essa capacidade de apreciar as coisas simples da vida. No entanto, os “biodanzantes”, ao caminharem todas as semanas, reaprendem a simplicidade da vida e vivem-na em toda a sua plenitude. Ao dançar a vida, estimulam o modo de viver em toda a sua grandeza.
Nas antigas terras da Egitânia, como se de uma regressão se tratasse, “os biodanzantes” redescobrem o seu passado e as batalhas que lá se travaram. Por terem sido muito duras, deixaram muitas marcas e moldaram, e de que maneira, o quotidiano de cada membro da “manada”. Mas estas guerras e fogos não se extinguem de um dia para o outro; e também não vale a pena fugir deles, pois acabam por eclodir a qualquer momento, como se de um vulcão adormecido se tratasse. A querida “manada biodanzante”, bem encaminhada e ciente da situação, combate sem tréguas essas guerras e essas ardências. Mas não se devem extinguir todos os fogos, alguns devem ser mantidos em lume brando, pois iluminam e aquecem a alma do Ser. São como um forno a cozer bolos benzidos e acarinhados por uma velha senhora de face marcada por rugas profundas, fruto da dureza da vida que, no entanto, não conseguem esconder o inesgotável sorriso, amplo e sincero.
Os “biodanzantes” voltam aos verdes prados. Desta vez, cada um caminha ao seu ritmo, aprendendo a escutar o corpo, que vai manifestando o seu desagrado pelos excessos cometidos pela cabeça pensante, que muitas vezes se desliga e ignora o resto do corpo. Mas esta dissociação é impossível, a cabeça e o resto do corpo são um só, e os “biodanzantes” têm aprendido a fazer essa conexão.
A dada altura, perto da albufeira, a corajosa “manada” dá de caras com uma outra manada (esta bem a sério!). Apesar de espécies diferentes, não houve necessidade de confronto, pois estávamos providos de bom “pasto de sabedoria” para nos saciar. Com o tempo, os “biodanzantes” aprendem a gerir os conflitos, evitando-os quase sempre; contudo, se necessário, não têm qualquer problema em enfrentá-los com toda a potência, mas sem raiva, pois esta disturba e ilude a clareza dos sentidos.
Ao fim de muitos quilómetros, o merecido descanso junto à albufeira. Os “biodanzantes” são muito abertos a novas experiências e como tal aventuram-se numa nova linguagem de nome “borreguês”. As infrutíferas tentativas não baixam o seu astral; pelo contrário, seguros de si, não se desiludem com o fracasso.
Alguns corajosos aventuraram-se nas águas surpreendentemente mornas, mas um pouco ricas em hidratos. Por vezes estes banhos são como regressar às origens, porque viemos da água e desfazemo-nos na água.
Mas nem só de vivências e de algumas coisas mais platónicas vive o grupo, também tem de se nutrir e bem, de preferência com deliciosa comida. (E de facto estava mesmo uma delícia, quase que os meus “enjaulados” dentes apodreciam com tantos sabores.)
Para além do “pastor” que conduziu a sua querida “manada” pelo planalto raiano, sorrateiramente, o poeta “caipira” começou a se evidenciar. São Pedro, talvez por ciúmes, ao ver tão grande declamador não gostou e praguejou-o com relâmpagos e fortes bátegas de água. Mas o poeta, persistente, não deixou de declamar, e nem os seus seguidores o deixaram de escutar, venerando-o pelas sábias e poéticas palavras. O todo-poderoso, ao ver tal devoção e firmeza, ordenou a São Pedro que desse tréguas aos “biodanzantes”, e estes continuaram a sua tertúlia de aclamações à vida.
O grupo “biodanzante” voltou a sair ordeiramente. Deixando para trás a Egitânia, seguiu em direcção ao Calhau, que é como um farol de toda a zona raiana, pois onde quer que se esteja, é sempre visível. Os “biodanzantes” não se guiam por um farol, mas sim por muitos faróis, pois cada indivíduo é um farol, com uma pequena luz que ilumina uma parte do caminho de outra criatura. Por isso não se pode estar só restringido a um “farolzinho”, quantos mais melhor, mais irradiação se tem para o percurso de vida, iluminando o destino do Ser.
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A “manada” não é um grupo restrito, antes pelo contrário, recebe de braços abertos novos elementos, e foi o que aconteceu. Os “biodanzantes” cresceram naquele dia com novas almas, que trouxeram mais brilho ao Calhau, fazendo-o irradiar ainda com mais intensidade toda a sua beleza.
A caminhada prossegue entre pedrinhas, pedras, pedregulhos e calhaus, percorridos em tempos pelos paleolíticos, romanos, visigodos, árabes e por um D. Afonso Henriques que, depois de conquistar as terras de Monsanto aos mouros, as doou aos Templários para que eles as defendessem dos agressores. Os novos invasores, pelo contrário, são muito pacíficos, incentivam o diálogo e o afecto, para que nenhuma quezília fique por resolver.
Apesar da “manada” se ter tresmalhado por momentos, como um íman, depressa se voltou a reagrupar. Nem os pólos que exercem forças muito opostas conseguiram afastar a assertividade dos “biodanzantes”, como se estes estivessem sempre na linha do equador. Mas, por vezes, têm alguns desvarios, e torna-se necessário fazer uma incursão aos trópicos, onde o calor é muito forte e nos faz sentir mais vivos, acalentando a alma e o coração, por vezes arrefecidos.
Os mais jovens não dão tréguas, fazendo regredir os adultos ao seu nível, pois só desta forma é possível a compreensão de mentes tão claras e autênticas, que, por serem tão inocentes, contagiam e fazem os adultos desejar ser outra vez pequenos, para brincar aquilo que não puderam ou para recordar as delícias de uma infância passada.
Entre os enormes xistos, azinheiras e sobreiros sobressai uma ermida perdida no tempo, a ermida de São Pedro Vir-à-Corsa. Diz a lenda que este lugar havia sido escolhido por um eremita, de seu nome Amador, para se refugiar do mundo. Este monge, que há muito vivia na gruta, encontrou um dia um recém-nascido abandonado. Sem poder dar de comer à criança, Amador suplicou o auxílio de Deus. Surgiu então uma corça que amamentou a criança até ela poder alimentar-se de frutos e ervas, a dieta seguida pelo eremita. Segundo a crença popular, esta acção do eremita Amador terá ajudado a salvar a criança das garras do Demónio.
Os deuses e os demónios, neste caso, eram os “biodanzantes, que contemplavam toda a natureza envolvente em harmonia, absorvendo o som do vento a projectar-se nas árvores, o chilrear dos pássaros e os aromas imanados pelas plantas, para atraírem os insectos de forma a levarem o pólen e as sementes para outras paragens.
A fluidez dos “biodanzantes” era notória, restabeleciam a energia gasta pelas condições anti-sociais e culturais ao longo da sua vida. Este restabelecimento potenciou as condições necessárias à nutrição, expansão e conservação do Ser e do planeta.
Surgiram alguns adivinhos. Sim, adivinhos, bruxos, feiticeiros, magos, encantadores, curandeiros, macumbeiros… que tentavam descortinar aquilo que não era descortinável – o futuro.
Como se fosse uma procissão, a “manada biodanzante” seguiu em busca de umas ditas sopas. As sopas, nem vê-las, mas em compensação os biodanzantes degustaram alguns petiscos e bebidas típicos de Proença-a-Velha. Gostoso, foi ver e ouvir os adufes tocados pelas beirãs vestidas a rigor, dando continuidade à tradição de um instrumento secular.
Os “biodanzantes” gostam muito de voltar às suas origens. Ficam curiosos por saberem as histórias que estão por detrás de cada elemento do grupo. Neste caso, esse elemento é um ser fabuloso, que abre os braços e acolhe no seio do seu berço o resto do grupo, mostrando-lhe as suas origens e partilhando as suas memórias. A receptiva “manada” fica sempre muito feliz com a dádiva de um quinhão da vida de um dos seus elementos.
Os biodanzantes despediram-se como sempre de uma forma afectuosa, prometendo reagrupar-se dentro de dias para novas aventuras e vivências.

Esta “espécie” de crónica é dedicada ao querido grupo da Biodanza, que muito me tem ajudado a viver a vida, dançando-a.
Bem que posso dizer: A vida gera vida dentro da vida. Por isso, vivam a vida.

3 comentários:

Susana Pequito disse...

Esperava ansiosa...
Obrigada por este maravilhoso "presente"
Fica uma imensa vontade de repetir.
Um abraço
Susana

Márcia Píramo disse...

Belo registro do nosso convívio! Melhor do que este texto tão rico, só mesmo a expreriência daquele fim de semana, que foi plena e feliz...Nosso "pastor" surpreende sempre! quando é o próximo???
Um abraço,

Márcia

jorge vicente disse...

tu és maravilhoso, pimpão. a manada, a querida manada agradece. e ama e caminha e caminha ainda mais sobre as pedras.

um grande abraço cheio de afecto
jorge