sexta-feira, 15 de maio de 2009

Arrifana - Sagres. As etapas "rainhas"

(clicar nas fotos para ampliar) (o menu do blog encontra-se no fim)
A praia da Arrifana foi o ponto de encontro para darmos início aos últimos três dias de travessia na mais bela costa do mundo - pelo menos esta é a minha opinião.
Apesar de ser cedo, a água já estava repleta de surfistas desejosos de apanhar as primeiras ondas do dia. E nós estávamos ávidos do “trepa-destrepa” das falésias. Ao contrário da última etapa, em que o mar estava super-agitado devido à forte nortada, desta vez estava calmo e sereno, com ondas perfeitas para os surfistas.
Atravessamos a praia da Arrifana e atacamos de imediato a primeira subida, a um ritmo bastante acelerado. As vistas, as flores, os cheiros e a temperatura no alto da falésia são um bom presságio para o que se antevê para a frente. Depois dessa primeira subida, temos de rodar um pouco para o interior, para, de seguida, começarmos a descer por um caminho ladeado de estevas em flor, em direcção à praia do Penedo. Mas antes de lá chegarmos, admiramos aquele que será talvez o melhor cenário de toda a Costa Vicentina. A Sul, consegue-se ver toda a costa, retalhada pelo mar e vislumbrando-se, aqui e ali, alguns areais. A Norte, um esporão enorme emerge do meio do mar, como se um rinoceronte ali estivesse a fazer mergulho e deixa-se apenas ver o seu chifre. A Ponta da Agulha é uma formação rochosa com a forma de esporão, que resistiu às investidas incessantes do mar, ficando isolada da terra. Na Irlanda existe uma formação rochosa muito semelhante, são as chamadas falésias de Cliffs of Moher. A diferença é que, enquanto na Irlanda se paga para ver essa paisagem e os portugueses até lá vão vê-la (eu fui um deles), na Costa Vicentina pouca gente repara nesta esplêndida formação rochosa de tom ocre e cinza. A questão que aqui coloco não é a da comparação da beleza dos dois locais, mas sim a indiferença que os portugueses por vezes demonstram perante as belezas naturais do seu próprio país. É o típico negativismo português, que leva a dizer que não temos nada que preste e que o que é lá de fora é sempre melhor...
A praia do Penedo não podia ter um nome mais apropriado dado os enormes seixos negros redondos e polidos pela água que, molhados, brilhavam intensamente com os raios de sol.
Seguimos pelo meio dos seixos e de algumas formações rochosas cheias de algas, até entrarmos na praia de Vale Figueira, com o seu enorme areal. Percorremos toda a extensão de areia até que, à nossa frente, surge uma “parede” enorme.
– Onde está o trilho? – Foi a primeira pergunta que toda a gente fez.
Comecei a trepar pelos calhaus soltos e meti-me por uma garganta escondida, onde corre um pequeno fio de água. Um a um, os outros começaram também a subir e a entrar no estreito desfiladeiro. Este era de tal forma esbarradio, que até o pequeno Buda, apesar de ter tracção às quatro patas, derrapava e gania de aflição. Mas o cão não estava mais aflito que aqueles caminhantes que sofriam de vertigens. Quando saímos do espectacular canyon, começou o “frenesim” do sobe e desce.
Para mim a hora do almoço é sinónimo de grande alívio, não por saciar a minha fome, mas por poder despejar a pesada mochila repleta de comida. Como de costume, e para delícia dos 14 caminhantes, a Caminhos da Natureza esmerou-se, e de que maneira, nos petiscos. Mas não há muito tempo para que o estômago deguste a saborosa comida, depressa voltamos ao “trepa-destrepa”, num rendilhado de falésias espectaculares, com o mar agitado a dar ainda maior ênfase.
Sob um sol bastante forte e pelo meio de rosmaninhos, estevas, alecrins e tojos em flor chegamos a uma falésia com vistas soberbas sobre a enorme praia da Bordeira. Com o fim da etapa à vista, uma parte do grupo descontraiu e desfrutou do maravilhoso areal e das bonitas formações rochosas nas falésias. Os outros, como se tratasse de uma maratona, não abrandaram o ritmo e continuaram a caminhar muito depressa. O resto do dia foi passado entre algumas esplanadas na praia da Bordeira e a pitoresca aldeia da Carrapateira, onde se destaca a velha igreja envolvida por uma muralha erguida em 1673, para defesa contra os corsários marroquinos. À noite, para festejarmos o aniversário de uma das caminhantes, deliciámo-nos com os manjares de um restaurante típico da Carrapateira. Eu comi uma deliciosa massada de peixe, para regalo do meu palato.
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A maior etapa de toda a travessia da Costa Vicentina prometia vir a ser quente, o vento que soprava de Leste não enganava. No início seguimos por um trilho de areia junto à ribeira da Carrapateita, até voltarmos a caminhar sempre junto à costa. Entre a praia da Carrapateira e a praia do Amado, a progressão é muito rápida e sem dificuldades. As falésias são muito instáveis e estão constantemente a desmoronar. Numa pequena reentrância abrigada, na frágil falésia, surge um miniporto de pesca improvisado. É uma imagem um pouco surreal, que me fez lembrar alguns locais piscatórios em Cabo Verde, onde os pequenos barcos são pendurados nas falésias, seguros apenas por toscas estruturas de madeira, que nas marés altas ficam quase submersas.
“São mais que as mães”, é o primeiro pensamento que se tem quando se chega à “Meca” do surf, a praia do Amado. O mar estava repleto de surfistas, ávidos de apanhar todas as ondas.
Atravessamos a praia e subimos um areal, depois seguimos pelo meio de mato, até ao monte do Engenheiro, onde existe uma daquelas casas que é o sonho de qualquer um, não pela casa em si, mas pelo local privilegiado, com vistas fabulosas sobre toda a costa e o Atlântico.
Voltamos a descer para uma pequena praia para, de seguida, atacarmos uma subida de dificuldade bastante elevada, imprópria para cardíacos, mas que todos, com maior ou menor dificuldade, conseguiram superar. Mais uma vez as vistas são soberbas, as plantas libertam uma quantidade de aromas enorme que, fundidos, dão origem a uma fragrância única e maravilhosa. A Primavera encontrava-se no seu expoente máximo.
Mas não há tempo para descansar, temos de descer, para logo voltar a subir bem alto e de novo voltar a descer, para as isoladas praias da Murração e Carneiro, encaixadas em vales de rara beleza. Como estava bastante calor, não resisti e dei um mergulho nas águas geladas. Soube-me tão bem!
Nessa altura já tínhamos a companhia de duas simpáticas holandesas que andavam a fazer a travessia em autonomia, há diversos dias. Como andavam um pouco perdidas, devido a um mapa com pouca precisão e à dificuldade em encontrar os trilhos correctos, convidei-as a juntarem-se ao grupo.
De volta ao caminho, continuamos o “trepa-destrepa”, até chegarmos a um trilho muito exposto na falésia. Feito por pescadores, é daqueles de ficar sem respiração. Todo o cuidado é pouco, e tem de se pôr um pé de cada vez, pois é impossível colocar os dois pés juntos. Se viesse uma pessoa de frente, seria praticamente impossível cruzar por ela. Fez-me lembrar um pouco quando se anda na crista do gelo ou na neve, e tem de se fazer contrapeso com a outra pessoa para se poder cruzar.
Passadas as emoções, fomos um pouco para o interior. Devido à ausência de trilhos junto à falésia, seguimos por um estradão. O facto de o caminho estar ladeado de estevas em flor, tornava-o até agradável.
Descemos para a enorme praia com cerca de três quilómetros. Apesar de o areal ser o mesmo, são três praias distintas: Barriga, Cordama e Castelejo.
Bem que se pode dizer: isto é que é vida! Dar uns mergulhos, apanhar banhos de sol e comer os petiscos gourmet preparados pela Caminhos da Natureza.
Depois de “jiboiar”, devagar, devagarinho, continuámos a caminhar pela praia. De seguida – e para surpresa de algumas pessoas que estavam sentadas numa esplanada de olhos esbugalhados, a pensar o que é aqueles malucos andam por ali a fazer em vez de estarem a curtir o “solzinho” e a beber uma cerveja na esplanada – atacámos uma encosta muito inclinada. Uma das holandesas nem queria acreditar, só dizia: «What! This is the way?»
A paisagem muda radicalmente. Deixamos as falésias e entramos num fabuloso bosque de pinheiros-anão, atravessado pela ribeira do Marinho; segue-se uma zona de pasto, onde as vacas se deliciavam com a erva muito verde.
Uma das holandesas estava vermelha que nem um pimentão e aparentava estar muito cansada, perguntei-lhe se se sentia bem, ao que ela me respondeu: «Do not worry, I´m like a diesel engine. I walk slowly, but I can handle a long time.»
O comentário dela tinha toda a razão de ser. Ao caminharmos, temos de encontrar o nosso próprio ritmo e nunca imprimir um andamento que não consigamos acompanhar. Tal como na vida, há que encontrar o ritmo certo.
Descemos os prados ondulantes ao sabor do vento e chegamos a Vila do Bispo para o merecido descanso. Tinha ficado para trás a mais longa e espectacular etapa de toda a travessia.
Antiga terra de bravos e corajosos navegadores, pareceu-me um pouco triste e abandonada; os moinhos de vento sem as velas são sinónimo disso. No entanto, a gastronomia local é muito rica e há uma variedade de restaurantes muito grande. Mas não é só pela comida que estes se diferenciam. Um deles tornou-se conhecido pelo mau humor da dona e pelo péssimo atendimento, mas consta que a comida é divinal. Outro é conhecido por ser um slow food, mas para além de ser slow de mais, tem também um péssimo atendimento – e eu e alguns amigos já o sentimos na “pele”.
Desta vez acabamos por jantar num pequeno e simpático restaurante; mas pequeno só o espaço, doses de comida eram enormes. A sopa de peixe fez a delícia de todos.
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Começamos a caminhar bem cedo. O vento moderado de Leste empurrava-nos de volta para as falésias. Os primeiros quilómetros, até perto da Torre da Aspa, são feitos por estradões. A antiga torre foi construída como ponto de vigia e fica na zona mais alta de toda a Costa Vicentina. As poucas árvores existentes junto ao caminho, devido ao forte vento que as fustiga incessantemente, sem tréguas, têm formas singulares.
Caminhamos até que o imenso planalto dá lugar a abruptas falésias.
A juntar ao forte aroma e colorido das estevas, apareceram milhares de mariposas, talvez um pouco desorientadas devido ao forte vento vindo de terra.
Os tons avermelhados e amarelados das falésias são fabulosos, e justificam e bem o nome praia da Ponta Ruiva. Apesar do pouco desnível, o piso é muito irregular. O “caos” de pequenos blocos de calcário massacrava, e de que maneira, os tornozelos. Um bom calçado torna-se necessário para precaver lesões. Por vezes, parecia que o Cabo de São Vicente estava perto, mas não passava de uma ilusão, ainda tivemos de caminhar um bom bocado.
Finalmente tínhamos chegado ao “fim do mundo”, como era apelidada a extremidade mais a Sudoeste da Europa continental. De facto a terra acaba mesmo e a imensidão do mar não deixa de ser impressionante. Os romanos chamaram ao local lugum cineticum, o lugar onde o sol era cem vezes maior, fazendo ferver o mar.
Tal como o infante D. Henrique, que aguardava pelas naus e festejava quando chegavam com novidades das novas terras, nós brindámos com champanhe a nossa chegada ao cabo após nove etapas por aquela que é a mais bela costa do planeta Terra.

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