sexta-feira, 6 de março de 2009

Cabo Sardão - Odeceixe


(clicar nas fotos para ampliar) (o menu do blog encontra-se no fim)
Já não sei número das vezes que fiz esta pequena travessia a pé, no entanto, continua a ser para mim como que se fosse a primeira vez. Digo isto porque todas as vezes que a fiz, apanhei condições meteorológicas diferentes, principalmente o estado do mar, que molda toda a paisagem envolvente. Este pequeno troço faz parte da travessia da costa Vicentina organizada pela
www.caminhosdanatureza.com, que começa em Porto Corvo e termina em Sagres.

Esta etapa começa na Ponta do Cavaleiro no Cabo Sardão junto ao farol. O farol, com quase 100 anos tem uma particularidade bem à portuguesa. Foi construído ao contrário. A torre que suporta o farol, em vez de se situar na parte ocidental do edifício junto ao mar, fica na parte oposta, com a torre virada para Leste. Claro que isto não afecta em nada a navegação pois a faixo de luz faz os 180 graus. Todos os faróis semelhantes em Portugal estão com a torre virada para o mar, dando a sensação que o projecto era o mesmo para todos os faróis. Especulando um pouco, dá a sensação que o responsável pela construção deste farol, virou a planta do projecto ao contrário e mandou construir a partir dessa posição.

O percurso foi sempre feito junto às imponentes e íngremes falésias. De vez em quando, os que tem mais vertigens e os que não se sentem em segurança, optaram por caminhar um pouco para o interior.
A beleza deste local é impar, mas muito pouco desfrutada. Estas falésias fazem-me lembrar um pouco as Cliffs of Moher, que são mais ou menos semelhantes. A diferença é que os irlandeses têm uma estrutura de apoio bastante boa para quem as visita, trilhos marcados e alguns serviços de apoio. Outra grande diferença é que se paga e bem para lá ir, enquanto aqui, bem perto, está esta maravilha geológica esculpida ao longo dos anos pelos elementos naturais. Por vezes parece-me que esteve aqui um gigante com força suficiente para “torcer” as falésias, originando nas rochas formas e desenhos únicos onde por vezes se destacam por vezes veios de cor de cristal cravados na rocha. Às vezes aparecem paredes lisas, que mais parecem escorregas gigantes, deveria ser um escorrega bem abrasivo para o meu traseiro.
A única dificuldade do dia foi a descida para o Porto das Barcas. A descida estava guardada por um pequeno escorpião que fez bravamente frente a alguns mamíferos que o tentavam imitar ao rastejarem de cu pela inclinada descida.
O Porto das Barcas é uma pequena baia no meio das falésias onde construíram um pequeno molhe de abrigo para as pequenas barcaças. Percorremos esse molhe até ao fim. Sob um sol radioso e uma temperatura amena, petiscamos um delicioso petisco gourmet preparado pela Caminhos da Natureza.
A leve brisa e o som da rebentação das ondas, convidava a uma sesta, mas tínhamos de continuar. O porto das barcas é um local agradável, a única coisa que destoa neste local é a quantidade de lixo deixado pelos pescadores. Redes, cordas, anzóis, fios, grades de plástico, peixe podre, etc. Se eles deixam este lixo todo aqui, não posso deixar de imaginar o que deitam ao mar. Sei que é um pouco difícil mudar os hábitos das pessoas mais velhas, neste caso dos pescadores, porque durante toda a vida fizeram sempre a mesma coisa e há muitos anos eles não tinham a noção dos perigos inerentes à poluição. Penso que aqui, existe principalmente uma falta de educação e de incentivo para que os pescadores tomem consciência dos actos que cometem. Os pescadores são os primeiros prejudicados pela contaminação e consequentemente falta de peixe. Uma observação que me inquietou foi de não haver contentores para o lixo, somente existem dois junto a um restaurante a 500mt do porto. Penso que as Câmaras e as entidades do parque têm a obrigação de intervir neste caso.
O trilho continua sempre junto à falésia, em algumas partes temos de ter muito cuidado, um pequeno descuido e era uma vez. Um bom calçado é muito importante para que não se derrape nas pedrinhas soltas.
Por vezes passamos por pequenos riachos que se precipitam a grande altura até ao mar. Algumas cascatas, durante queda, transforma-se num nevoeiro que é empurrado para cima devido às correntes ascendentes, originando por vezes efeitos semelhantes ao de um arco-íris.
Ao logo das falésias é uma constante os ninhos da cegonhas brancas, em locais onde havia uma maior concentração nós baptizamos alguns locais por “condomínio de cegonhas”, tal não é o lugar privilegiado onde se encontram. Muitos desses locais em sítios inacessíveis. Ficamos sempre fascinados por ver estas bonitas aves a aplanar, no entanto começam a ser um problema. Com as mudanças climatéricas, muitas cegonhas deixaram de emigrar, sendo uma ave no topo na cadeia alimentar dentro da categoria das aves, não se sabe ao certo o impacto sobre a flora e fauna local.
Antes de chegarmos à Zamujeira do Mar passamos por algumas praias quase inacessíveis, sem dúvida um bom local para fazer praia de Verão, pois são muito pouco frequentadas. Se fossem de fácil acesso já teriam seguramente construído um condómino ou algum resort. Junto a essas praias existem alguns passadiços pedonais com torres para observação das aves, como os falcões regrinos, gralhas de bico vermelho, francelhos e a quase extinta águia pesqueira.
A meio da tarde chegamos à Zamujeira, no entanto o dia ainda não tinha acabado para mim e para o Tó, tínhamos de ir buscar os carros que estavam no Cabo Sardão e coloca-los em Odeceixe, para podermos regressar no dia seguinte. Nada melhor para fazer o transbordo do que a bicla. É prático, ecológico e dá para esticar as pernas. Esticamo-las tanto que só chegamos à noite à Zambujeira.

Começamos a caminhar pelas nove, com uma brisa fresca e com a ameaça de chuva. O trilho continua sempre junto à falésia. As formações rochosas mudam um pouco, são mais arenosas e em algumas partes ameaçam desabar a qualquer momento, perante o mar que fustiga incessantemente sem dar tréguas, no entanto as falésias continuam a ser muito bonitas. A vegetação é a mesma, onde predomina a praga dos chorões que estão a dizimar as espécies autóctones.
Desta vez, conseguimos subir a falésia da praia do Carvalhal. Das outras vezes que tentei, ou era a chuva que tornava o piso demasiado derrapante ou era a maré alta que não permitia alcançarmos o trilho.
O piso torna-se um pouco arenoso e com zonas onde os chorões me fazem lembrar mais um campo de relvado tal não é a extensão que ocupam. Andar em cima deles não é muito fácil, torna-se um pouco cansativo.
Para transpormos a falésia junto à praia da Amália, tivemos de “reptilalar” um pouco, por causa do trilho estar um pouco cerrado devido ao mato. Nas anteriores travessias, passávamos mais na parte de cima junto a uma casa, mas devido aos dentes ameaçadores de um Pit-Bull e do seu dono menos simpático, alteramos o percurso, que por sinal passou a ser bem mais bonito.
Rapidamente chegamos às Azenhas do Mar. O pequeno porto é bem mais limpo que o Porto das Barcas. Têm estado a requalificar as ruas da pequena aldeia, inclusive construíram pequenas casotas para os pescadores guardarem o seu material. Pode parecer tudo muito bonito, mas estas bonitas casotas revelam o ridículo ao qual chegou o nosso país. Ao lado dos passadiços de madeira e das casotas estão barracas com esgotos a céu aberto, onde habitam pessoas em condições muito precárias. Por vezes, até parece que os passadiços ou passeios pedonais foram feitos para observar o espécime homem de uma forma mais primitiva. Seguramente que as pessoas que ali se instalaram fizeram-no de uma forma ilegal, mas isso não é pretexto para chegar ao ponto degradante que chegou neste momento.
A saída das Azenhas é feita por uma íngreme descida, que faz acelerar os corações mais mal preparados para estas andanças. Entretanto uma nuvem ameaçadora aproxima-se rapidamente trazendo chuva, vento e trovoada. Felizmente o aguaceiro passou rápido e tão depressa metemos os impermeáveis, como os tiramos.
Passamos por um velho pescador resignado com a pouca sorte de ter apanhado alguns sargos e de os ter atirado novamente para água. Acontece que algumas mentes brilhantes que estão sentadas no nosso parlamento ou no parlamento europeu, de vez em quando lembram-se de fazer algumas leis para proteger espécies que só as conhecem no prato, que por sinal comem-nas nesta mesma zona, onde fizeram uma lei para proibir a sua pesca.
Como se costuma dizer: Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Há que ter bom senso, pois para estas pessoas, a pesca à linha é por vezes a única forma de terem algum sustento para as suas famílias. Seguramente que não são este tipos de pescadores que vão dizimar os peixes, mas sim os arrastões, que como o próprio nome diz, arrastam e apanham tudo o que encontram.
Finalmente chegamos à praia de Odeceixe. Mas antes de lá chegarmos tivemos de caminhar um pouco pelos campos agrícolas para encontrar o caminho que nos levou até à praia.
Passamos o rio com água pelos tornozelos. Meia hora mais tarde, a lua exerceu o seu magnetismo sobre o imenso oceano empurrando a água pelo rio acima. Atravessamos mesmo na hora ideal, mais um pouco e teria de ser a nado, que já me sucedeu uma vez.
Finda a caminhada descansamos na praia e comemos os deliciosos pitéus preparados pela Caminhos.
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Dentro de dias, continua a travessia pela Costa Vicentina.
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